Metas abusivas levam bancários a doenças mentais, aponta debate
A pressão por resultados, com ameaça sobre seus empregos, é uma das razões que levam os bancários a ter problemas relacionados à saúde mental, apontaram os participantes de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta quinta-feira (26). Apesar de representarem apenas 1% dos trabalhadores com emprego formal, a categoria representa 24% dos afastamentos por doenças mentais, ressaltou a senadora Augusta Brito (PT-CE), autora do requerimento para a audiência com o tema "As condições insalubres dos trabalhadores do setor bancário". O grande número de funcionários que pedem afastamento por motivos emocionais revelam, para os debatedores, as más condições de trabalho e a dificuldades de as instituições financeiras reconhecerem a existência de um ambiente que leva ao adoecimento de seus empregados. Os representantes dos trabalhadores também apontaram o apagão de dados sobre a saúde dos trabalhadores nos bancos e as subnotificações de doenças relacionadas à atividade no setor.
Além da pressão abusiva por resultados, os bancários sofrem também com o medo de assaltos e discriminações no ambiente corporativo. Em 2012, informou Augusta Brito, o percentual de pessoas que não resistiam à rotina nos bancos e pedia licença em razão de doenças mentais era de 12%. Nos últimos 5 anos, o número de afastamentos nos bancos aumentou 26,2%, enquanto no geral a variação foi de 15,4%. Ou seja, entre os bancários, a variação foi 1,7 vezes maior do que a média dos outros setores.
Mulheres
Para a senadora, é fundamental dar publicidade ao assunto. Ela disse ser preciso combater também um quadro de violência contra a mulher nas instituições bancárias. Isso porque essas profissionais enfrentam um desafio ainda maior do que os homens em relação à manutenção da saúde mental, por serem, historicamente, mais vítimas de assédios, tanto moral quanto sexual, explicou Augusta Brito.
— Além de servir para a gente dar visibilidade e perceber a importância do cuidado com a saúde de todos esses profissionais, o objetivo dessa audiência é gerar proposições, desde as construídas no Senado a ações junto ao Poder Executivo e a outros órgãos competentes. Nossa missão é contribuir para afetivamente ajudar a sanar esses problemas com medidas propositivas — declarou a senadora, que conduziu a reunião.
Subnotificação dos bancos
Procuradora do trabalho, Cirlene Luiza Zimmermann disse haver discriminação em relação aos profissionais que pedem afastamento do trabalho em virtude de doenças emocionais. Ela disse a preocupação é crescente com a saúde desses trabalhadores e que as empresas do setor não reconhecem o adoecimento inerente à função. Segundo a debatedora, os bancos estão no topo da subnotificação de casos, tanto de lesões musculares por movimentos repetidos pelos trabalhadores quanto de problemas psicológicos dos funcionários. De acordo com a procuradora do trabalho, nenhuma ação tem sido implementada para evitar o cenário. Cirlene Zimmermann informou que os dados do Ministério do Trabalho estão disponíveis para todos os gestores interessados em aplicar políticas de saúde dentro das agências bancárias.
— Quando olhamos as estatísticas de afastamentos por doenças, vemos um volume expressivo de pessoas em funções gerenciais e de chefia. E esses trabalhadores, quando retornam, são rebaixados simplesmente porque um dia tiveram de se afastar por um adoecimento causado, em muitos casos, pelo próprio trabalho — apontou.
Síndrome de burnout
Diretora de políticas sociais da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Rachel de Araújo Weber mencionou que os bancários obtiveram vitórias salariais e de direitos ao longo do tempo, mas disse que a maior conquista desses trabalhadores é não estarem doentes. Segundo a debatedora, 83% dos afastamentos médicos da categoria têm origem emocional, desde a depressão, ansiedade, às síndromes de burnout (esgotamento físico, mental e emocional) e de pânico.
— É um número alarmante. Não adianta a gente trabalhar ou viver sem saúde. E a gente percebe que, muitas vezes, as pessoas nem sabem o que são questões como assédio e nem o que elas mesmas podem estar praticando. Então, essa pauta é importante para nós porque a gente vive um processo de negacionismo em relação à saúde mental e acreditamos que cuidar do assunto é uma tarefa de todos.
Apagão de dados
A afirmação de que o setor bancário subnotifica os casos de doenças mentais junto aos órgãos competentes foi reforçada por Mauro Salles, do Sindicato dos Bancários. Ele declarou que, além de incertas, são demoradas as perícias médicas junto ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS). Além disso, o debatedor avaliou que o órgão "maltrata" os trabalhadores que recorrem a esses serviços.
Para Mauro Salles, as notificações sobre as doenças que afetam os bancários e um conhecimento público sobre esses números são fundamentais para a aplicação de políticas. Ele pediu aos senadores que ajudem a pressionar o governo federal a manter um sistema de monitoramento sobre o assunto:
— Hoje temos um apagão de dados, não temos informações, mas precisamos reforçar que o governo priorize essa questão — apelou.
Ministério da Saúde
Coordenadora-geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Luciene de Aguiar Dias apontou o alto índice de subnotificações de casos de doenças mentais entre bancários no Brasil. Ela informou que, mesmo com a subnotificação, o número de trabalhadores afetados com doenças no setor bancário é alto: há 70,3 doentes a cada 100 mil empregados. Entre os anos 2007 a 2022, foram registrados 5.102.245 de vínculos ativos de trabalhadores de serviços bancários na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). E completou que, no mesmo período, foram notificados 4.120 novos casos de doenças e agravos relacionados ao trabalho entre esses profissionais ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Desse total, 45,1% correspondem a acidentes de trabalho, seguidos de casos de Lesão por Esforço Repetitivo (33,9%) e transtorno mental relacionado ao trabalho (17,4%).
— A gente observa muitos casos de subnotificação porque o SUS [Sistema Único de Saúde] tem muito mais dificuldades na identificação do adoecimento em virtude do trabalho e também porque o sistema, muitas vezes, não é alimentado em sua completude. A plataforma previdenciária faz registros do trabalhador formal, daquele com carteira assinada. Então, há muito mais registros junto ao sistema previdenciário do que há no SUS, e isso se deve a muitos fatores, mas, especialmente, à intenção de se ocultar essa invisibilidade que o trabalho tem como determinante social do adoecimento — declarou Luciene Dias.
Defesa dos bancos
Diretor de Relações Institucionais, Trabalhistas e Sindicais da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), Adauto Duarte questionou a relação entre a função e os problemas mentais identificados entre os bancários. Ele disse ser preciso um "diagnóstico correto" das doenças que acarretam em afastamento. O representante das instituições financeiras também argumentou que elas, geralmente, não participam do processo: o médico do trabalho vinculado à empresa não apresenta avaliação médica que considera o local de atividade; não há visita ao ambiente do trabalho e, como regra, não são solicitadas informações aprofundadas para concessão do atestado.
Adauto Duarte também pôs em dúvida os "instrumentos usados" para determinar uma doença como ocupacional e disse que, nas ações de afastamento de bancários, o chamado “nexo causal”, previsto pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), não está sendo seguido.
— Tem de haver uma investigação, um estudo do local de trabalho, da organização desse trabalho, os dados epidemiológicos, a literatura, quadro clínico, subclínico, riscos encontrados no ambiente. Estamos falando de ato médico: médico do trabalho, médico perito-judicial, médico assistente da justiça, o perito federal. A base é o correto diagnóstico — disse Duarte.
Grupo de trabalho
Apesar de ter negado o vínculo direto do adoecimento dos bancários com o ambiente laboral, o representante da Fenaban propôs a criação de um grupo de trabalho já na próxima semana. Segundo ele, o grupo de trabalho terá duração de 100 dias e discutirá os problemas da categoria, negociando soluções para os questões elencadas na audiência pública.
O bancário João Dourado, dirigente sindical de Mato Grosso, criticou a proposta de Adauto Duarte, por a seu ver desconsiderar o modelo de gestão de metas das instituições financeiras, que classificou de abusivas.
Outro encaminhamento da reunião, sugerido pela senadora Augusta Brito, é estudar como a pauta de gênero tem sido tratada no ambiente bancário.
Também participaram da audiência pública Maria Maeno, pesquisadora da Fundacentro; Odete Reis, auditora-fiscal do Trabalho, representante do Ministério do Trabalho e Emprego; e Juvandia Moreira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). Além deles, vários dirigentes sindicalistas regionais participaram da audiência.