Entre Simplicidade e Desafios: O Papel do Split Payment no Novo Cenário Tributário Brasileiro

*Rafael Borin, Contencioso Administrativo, Consultivo Tributário e sócio do Rafael Pandolfo Advogados Associados

A reforma tributária trouxe muitas novidades e tem gerado diversas discussões no Brasil. Entre elas, um dos pontos que mais chama a atenção é o “split payment”. Mas, afinal, o que significa essa expressão e como esse mecanismo pode afetar a vida dos brasileiros, especialmente de empresários e consumidores?

Em suma, o “split payment” (divisão de pagamento) é uma forma automática de recolhimento de tributos que se dará no momento do pagamento pelo serviço tomado ou mercadoria adquirida (liquidação financeira). Na prática, ao invés do vendedor receber todo o valor da operação e, posteriormente, pagar seus impostos, o valor do tributo é dividido de forma automática e enviado diretamente ao governo. Ou seja, o pagamento será segmentado entre o vendedor e o governo de forma imediata, no momento da compra.

Assim como todas as novidades, existem, nessa forma automática de pagamento, os pontos positivos e negativos. Um dos grandes benefícios do “split payment” é a redução da sonegação fiscal e fraudes. Com a adoção do mecanismo, o imposto é recolhido automaticamente, o que dificultará o inadimplemento ou atraso no seu recolhimento. Como consequência dessa maior eficiência na arrecadação, as alíquotas do IBS e CBS podem ser reduzidas, atingindo os objetivos constitucionalmente previstos, como simplicidade, transparência e justiça tributária.

Além disso, o mecanismo tem potencial de trazer maior simplicidade aos empresários, principalmente no que tange às obrigações tributárias. Com o recolhimento automático dos impostos, os empresários não precisarão mais se preocupar com o cálculo e pagamento dos tributos posteriormente, o que pode reduzir a burocracia e os erros nas declarações. Outro fator positivo é que, ao garantir o recolhimento automático dos tributos, o sistema pode trazer mais previsibilidade para o governo em relação à arrecadação, permitindo uma gestão orçamentária mais eficiente e planejada.

Por outro lado, o “split payment” também traz alguns desafios. O principal deles é o impacto no fluxo de caixa das empresas. Além do ingresso menor ao caixa, em razão da divisão imediata do tributo aos cofres públicos, pairam dúvidas quanto à efetiva utilização de créditos para quitar os débitos pela compensação, bem como os prazos para restituição. Essas incertezas podem prejudicar a saúde financeira das empresas, sobretudo as que operam com margens de lucro mais apertadas ou que dependem de um fluxo de caixa constante para sustentar suas atividades operacionais.

Outro ponto de atenção é a adaptação tecnológica necessária para implementar o “split payment”. Para que esse mecanismo funcione, é preciso que todas as empresas estejam conectadas a uma rede de pagamento capaz de realizar essa divisão automaticamente. Isso pode gerar custos e dificuldades de adaptação, principalmente para pequenos comerciantes e empreendedores. Além dos custos iniciais para implementar os sistemas, também pode haver uma necessidade contínua de manutenção e atualização das tecnologias empregadas, o que pode gerar despesas adicionais.

A complexidade do sistema também pode exigir maior capacitação dos profissionais envolvidos na gestão financeira e fiscal das empresas, incluindo contadores e administradores, para que possam compreender plenamente o funcionamento do “split payment” e suas implicações. Dessa forma, o treinamento e a adaptação dos procedimentos internos tornam-se essenciais para garantir a conformidade e a eficiência no uso do novo sistema.

Em âmbito internacional, a experiência do “split payment” se mostra diversificada, havendo países que obtiveram, ainda que de forma parcial, algum sucesso com a implementação, enquanto outros não lograram êxito. Na Itália, por exemplo, o mecanismo foi adotado com o objetivo de combater a evasão fiscal, especialmente no setor público, e obteve resultados positivos em termos de aumento da arrecadação. Já em outros países, a falta de uma infraestrutura adequada ou de uma regulamentação eficaz dificultou a implementação e trouxe desafios adicionais.

Pensando na realidade brasileira, que é um país que possui uma infraestrutura tecnológica na área fiscal bastante avançada, é possível vislumbrar a possibilidade de sucesso na sua implementação. Contudo, deve-se ter em mente a necessidade de considerar as peculiaridades dos diferentes setores econômicos. Por exemplo, setores que lidam com produtos de ciclo longo, como a construção civil, ou com vendas parceladas, como o varejo de bens duráveis, podem enfrentar dificuldades específicas. Essas particularidades precisam ser levadas em conta para que o “split payment” seja implementado de forma equilibrada, garantindo que não haja oneração excessiva ou prejuízo à competitividade de certos segmentos.

Em conclusão, o “split payment” é uma ideia inovadora e pode trazer mais eficiência e justiça para o sistema tributário brasileiro. No entanto, é fundamental que a implementação desse mecanismo seja realizada com cautela, considerando os desafios que ela impõe aos empresários, especialmente os menores, além dos impactos sobre os consumidores. A transição para o novo sistema deve ser planejada cuidadosamente, com fases de implementação progressivas e prazos adequados para que todos os envolvidos possam se adaptar gradualmente às novas exigências.

Como em qualquer mudança, é preciso encontrar um equilíbrio para que os benefícios superem as adversidades e para que todos, tanto empresários quanto consumidores, possam se adaptar e prosperar em um novo cenário tributário.

*Rafael Borin, Contencioso Administrativo, Consultivo Tributário e sócio do Rafael Pandolfo Advogados Associados, escritório de advocacia com foco em direito tributário.

É advogado graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Borin é especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e especialista em Direito Econômico e Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Borin é Contencioso Administrativo, Consultivo Tributário e sócio do Rafael Pandolfo Advogados Associados, membro da Diretoria do Instituto de Estudos Tributários (IET), membro efetivo da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT), consultor Tributário da Fecomércio/RS e de outras entidades empresariais. Além disso, é professor do curso de especialização em Direito Tributário da PUCRS e do IET.